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Rainer Werner Fassbinder – A Fúria de Viver

Rainer Werner Fassbinder – A Fúria de Viver

Ciclo: “Rainer Werner Fassbinder – A Fúria de Viver” no Cinema Nimas

06.10 – 26.10

Cinema Medeia Nimas – Lisboa

A Leopardo Filmes propõe-se levar a cabo mais uma importante operação nesta rentrée, e que vai marcá-la: um ciclo de filmes de um dos nomes maiores da história do cinema, Rainer Werner Fassbinder, cuja obra, uma das maiores aventuras da moderna cultura europeia, foi uma espécie de “abalo sísmico” cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir.

Por isso é necessário voltarmos a ela, agora em novas cópias restauradas, disponibilizá-las ao público português, sobretudo às novas gerações de espectadores, que as usufruirão como uma extraordinária descoberta.

Intenso, incansável, Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) foi uma espécie de cometa entre os cineastas do “Novo Cinema Alemão” – Wim Wenders, Werner Herzog, Völker Schlonforf, Margarethe Von Trotta e Alexander Kluge –, que a partir de finais dos anos 60, uma década de contestação e mudanças radicais na sociedade, vieram renovar o cinema na Alemanha, dividida desde o fim da Segunda Grande Guerra, precisamente o ano em que Fassbinder e Schroeter nasceram. Mas as obras de ambos são uma espécie de “continentes à parte”. A produção de Fassbinder foi imensa e em 13 anos realizou 37 filmes, séries para televisão e vídeos, produziu 4 peças de rádio, escreveu 18 peças de teatro e encenou 23. Foi um autor inteiro: realizador, actor (em filmes seus e de outros), director de fotografia, montador, produtor e compositor. A sua criatividade não conhecia fronteiras.

Neste ano em que se assinala a passagem dos 40 anos sobre a morte do realizador, vamos ver e rever 8 filmes, um deles inédito comercialmente em Portugal, numa operação que terá início a 6 de Outubro no Nimas, e que percorrerá as salas de cinema do país, nomeadamente o Teatro do Campo Alegre, no Porto, o TAGV, em Coimbra, o Theatro Circo de Braga, o Auditório Charlot, em Setúbal, e o CAE da Figueira da Foz. 8 filmes dos anos 70, e que constituem os momentos mais altos de uma obra arrojada.

Cuidado com essa Puta Sagrada (1971) é o filme que conclui a primeira fase da sua obra, mais despojada. Explicitamente autobiográfico, é como que uma espécie de súmula do que o realizador fizera até aí e percebe que é preciso dar um passo em frente. É um filme que reflecte sobre o trabalho e as tensões na rodagem. O Mercador das Quatro Estações (1972) olha para a era Adenauer, a do “milagre económico”, sobre a qual era bastante céptico (a história da Alemanha foi um dos temas fundamentais na sua obra). Nesse mesmo ano realiza mais uma obra-prima: As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant (François Ozon retomou-o, em Peter Von Kant – 2022, filme de abertura na Berlinale, retomando também aquilo que Fassbinder admitiu: que Petra era ele próprio). Digamos que é o contraponto burguês d’ O Mercador…, e uma crítica radical aos papéis dos géneros e às relações dentro do casal. Com uma das melhores interpretações na história do cinema (Irm Hermann no papel de Marlene, a empregada) e onde Fassbinder mostra que também a linguagem pode ser filmada. O Medo Come a Alma (1974) é uma homenagem a Douglas Sirk e marca um novo “avanço “. Fassbinder dizia que “os filmes de Sirk libertam a cabeça” e com este filme a sua linguagem cinematográfica “evoluiu de uma posição vanguardista para uma forma de narrativa popular, porém descomprometida” (Christian Brad Thompson), permanecendo fiel ao seu mundo, mas tornando-o acessível a um público mais vasto (não esqueçamos que Fassbinder realizou várias séries – e filmes – para televisão, também eles obras-primas, que chegaram a um público alargado). Effi Briest – Amor e Preconceito (1974), adaptação do romance Effi Briest, de Fontane (1895), do qual segue de perto o texto original, foi um sonho acalentado durante vários anos e o projecto no qual mais investiu, sendo, ao mesmo tempo, uma espécie de súmula dos seus temas principais. É o seu filme “mais literário” (com o próprio Fassbinder a emprestar a sua voz a Fontane), numa constante tensão entre palavras e imagem, com um extraordinário jogo de espelhos. Foi um dos seus maiores sucessos de público. Mamã Küsters Vai para o Céu (1975), inédito em sala em Portugal, uma explosão de sentida raiva, foi um filme controverso e outro momento alto de uma obra que não tinha medo de colocar tudo em causa, no caso a exploração jornalística, ideológica e económica de uma tragédia pessoal. Como se a utopia da revolução acabasse fatalmente traída. Roleta Chinesa (1976, e no qual participa Anna Karina), filmado do ponto de vista de uma criança que atribui à má relação dos pais uma deficiência física que com os anos se foi agravando. Talvez o seu trabalho de câmara nunca tenha sido tão rigoroso e exacto como neste filme, explorando linhas, reflexos, jogos de espelhos… O Casamento de Maria Braun (1979) foi o seu maior sucesso e Maria, interpretada por Hanna Shygulla, é uma mulher enérgica, independente e confiante. Uma “perita no futuro”, como ela diz. Mas o que acontecerá a Maria e ao futuro que sonhara, quando, depois de vários reveses e twists, parece estar a um passo de se concretizar?

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